Pobreza e riqueza no século XXI, o desafio da humanidade?



Por Sandro Gomes

Se um alienígena chegasse na Terra e visitasse algumas das principais megacidades do planeta, como Nova Iorque, Berlim ou Pequim, teria a impressão de que nossa humanidade se caracteriza pelos grandes avanços materiais, expressos no grande conhecimento e uso dos recursos naturais e no domínio da tecnologia, o que inclusive leva lideranças globais a acalentar projetos relacionados à conquista de outras estâncias do cosmos, como a já alcançada chegada ao satélite natural e o objetivo de fazer a primeira visita a um dos nossos vizinhos do sistema solar.
A obra de Samuel Luke (1874), mostrando a miséria na Inglaterra da Revolução Industrial


Conjecturas à parte, o fato concreto é que, visto de uma perspectiva global, o panorama da nossa humanidade pode ser visto como relativamente animador, haja vista que nosso conhecimento científico já nos permite acumular um grande conhecimento das nossas principais estâncias naturais, dos seres que habitam o planeta, inclusive dominando campos que se estendem muito além dos próprios sentidos físicos, como é o caso do mundo quântico, cada vez mais conhecido, apesar das novas indagações que surgem incessantemente, à medida que se avança em conhecimentos.
Mas se resolvesse se deslocar para outras partes do planeta encontraria quadros bem diferentes. Se por exemplo parasse numa mina de pedras preciosas numa localidade no interior do continente africano, daria de cara com um ser humano trabalhando em penosas condições, arriscando a vida e se expondo a doenças e acidentes. Além disso, quando achasse uma pepita ou algo valioso, o mineral não serviria para melhorar as condições de sua vida ou de seus familiares e nem mesmo de seus conterrâneos. Ela iria direto para uma conta em um banco sediado em uma daquelas megacidades vistas anteriormente em nome de uma grande corporação do mundo globalizado que se dedica a extrair riquezas em terras alheias.
Se o referido ser humano, indignado com o fato de se manter em precárias condições de vida apesar do trabalho e dos riscos, tentasse se unir a outros insatisfeitos e liderar processos de mudança social, as citadas corporações, com o apoio das nações nas quais estão sediadas, tomariam algumas medidas, sob argumento de preservar direitos humanos, liberando os recursos que não facilitaram para os trabalhadores para grupos rivais a estes, que lutariam pelo retorno da “normalidade democrática”, compondo assim o quadro básico de uma das muitas guerras fratricidas que hoje ocorrem por várias partes do continente africano, por exemplo.
Em uma nova tentativa, nosso visitante poderia parar em algum canto da Ásia e se deparar com um número muito grande de seres humanos dedicando a maior parte de seu dia a produzir nas inúmeras fábricas ali implantadas. Durante longas horas e por salários irrisórios, essas pessoas trabalham para que os artigos que produzem possam chegar, às tais nações que têm como sede as megacidades, com preços muito baixos, o que permite um grande barateamento na vida e nas atividades produtivas dos países ricos, à custa de uma classe de trabalhadores que vive praticamente restrita a sua vida funcional, em muitos casos numa entrega ao trabalho similar à que existia na Inglaterra dos primeiros anos da Revolução Industrial (final do século XVIII), quando, devido aos baixíssimos salários, homens, mulheres, idosos, grávidas e até crianças não tinham outra alternativa a não ser se entregar a incríveis jornadas de trabalho de 14 ou 15 horas por dia.
A essa altura do campeonato, nossos alienígenas já terão desistido de continuar sua busca, mesmo informados de que ainda poderiam fazer uma tentativa por um continente que faltava, o americano. Tomaram a boa resolução de não prosseguir. Na verdade já tinham chegado à inevitável conclusão: a constatação de que a humanidade do planeta terra até poderia ser considerada avançada em termos científicos e materiais, mas seu fantástico desenvolvimento vem ocorrendo a partir de uma base extremamente desigual.
Trata-se de um contexto no qual um pequeno grupo de seres humanos, financiados por algumas poucas corporações, sediadas em alguns poucos países, acabavam dispondo de uma volumosa fatia das riquezas, obtidas por meio do exaustivo trabalho da esmagadora maioria dos habitantes, empregados por milhares de empresas fadadas a se equilibrar na gangorra da economia do mundo globalizado e sediado na quase totalidade dos países, que por sua vez ainda não conseguiram oferecer a seus cidadãos condições dignas e justas de viver.
Em outras palavras, as maravilhosas possibilidades tecnológicas que em tese ocorrem em nome da espécie humana na verdade são praticadas e dominadas por uma privilegiada minoria que para tal se utiliza de uma vultosa soma de riquezas, extraída justamente a partir do trabalho de todos os outros, que por seu lado constroem as muitas paisagens de fome, exclusão, privações, ignorância e tudo o mais que se espalha abundantemente pelo planeta.
Se os visitantes fossem convidados a analisar a nossa humanidade a partir de uma perspectiva histórica, veriam que na realidade só a superfície das coisas mudou. Os grandes impérios da Antiguidade, que foram responsáveis por grandes saltos culturais e cognitivos que hoje beneficiam toda a humanidade, se mantiveram por séculos e séculos através da pilhagem de recursos e trabalho de uma infinidade de povos, tribos, nações e indivíduos. Grandes civilizações contadas a dedo no panteão da história universal em contraste com centenas de milhares de raças exploradas, muitas das quais sequer conseguindo deixar rastros da sua existência.
No final da expedição os desiludidos alienígenas provavelmente colocariam num relatório final a recomendação para que de fato essa humanidade pudesse entrar no rol das superiores que compõem o universo. O grande desafio que ela teria pela frente, nesse século XXI que apenas se inicia, é prosseguir com o grande desenvolvimento e expandir suas infinitas possibilidades inventivas e transformadoras, mas sem o modelo atual, de privilegiar uma pequena elite, líder em todos os passos planetários, em detrimento de bilhões de seres humanos condenados ao papel coadjuvante, constrangidos por suas necessidades básicas.
Uma humanidade que, pra ser considerada verdadeiramente grande, precisa aprender a dividir, incluir, somar forças e principalmente evoluir sem disparidades, por igual, com todas as criaturas do planeta sendo vistas como potências da vida e do universo. Esse é o desafio que se avizinha. Uma questão que mais cedo ou mais tarde terá que ser encarada. Os grandes problemas atuais, como os refugiados de todo tipo, as catástrofes ambientais e a crise ético-moral que se instalou na maior parte das culturas são o sinal de alerta. Um aviso de que a questão não mais poderá ser deixada de lado por muito tempo.


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