Mapa localiza as cidades de Americana e Santa Bárbara d'Oeste. (Foto: Arte G1)
Senhores trajando uniformes típicos dos veteranos da Guerra de Secessão americana conversam numa roda, alguns em inglês com forte sotaque sulista, enquanto moças vestidas como a personagem Scarlett O’hara (a protagonista do clássico filme ‘...E o Vento Levou’) dançam a square dance (espécie de quadrilha americana) ao som de jazz, country ou folk tocados por uma banda.
Ali perto, barracas ornadas com as cores da bandeira americana vendem hambúrgueres e hot dogs. Todo o cenário remete a uma típica festa do sul dos Estados Unidos, não estivessem os personagens a apenas 130 quilômetros de São Paulo, entre as cidades de Americana e Santa Bárbara d’Oeste.
Mulheres dançam na festa confederada de 2009. (Foto: Divulgação)
É na região paulista que se concentra uma das
maiores e organizadas comunidades de norte-americanos no Brasil,
muitos descendentes diretos dos primeiros imigrantes que
desembarcaram por aqui no final do século XIX. A “Festa
Confederada” (ou “Confederate Party”) chega neste domingo (11) à
sua 24ª edição e lembra também os145 anos do fim do conflito.
Mas por que comemorar o fim de uma guerra
considerada uma das mais sangrentas da história americana, que
deixou mais de 600 mil mortos e arrasou com a economia do sul
dos Estados Unidos?
Participantes da festa posam a caráter e com a bandeira confederada. (Foto: Divulgação)
“O Cemitério do Campo virou um lugar marcante que
evoca lembranças da história dessas famílias, que saíram de uma
situação dramática e vieram para o Brasil. Marca a experiência
histórica dessas pessoas, um lugar de revitalização de laços e
da própria vida da comunidade”, diz o antropólogo John Dawsey,
um dos organizadores da coletânea de artigos “Americans:
Imigrantes do Velho Sul no Brasil” (Ed. Unimep, 2005), cuja
história familiar está ligada à imigração americano no Brasil.
No cemitério fundado em 1868, local da festa,
estão enterrados os primeiros imigrantes, tratados como heróis
nas homenagens em inglês nas lápides. “Fizemos a festa para
poder manter o cemitério. Com isso, a gente cobre esse custo e
também faz a confraternização dos descendentes”, conta Nancy
Padoveze, membro da Fraternidade Descendência Americana, que
realiza o evento.
O cemitério que serve de palco para a festa. (Foto: Divulgação)
Tetraneta do coronel William Hutchinson Norris,
considerado pela fraternidade o pioneiro da colônia paulista,
ela conta que até hoje só são enterrados no campo os
descendentes diretos dos confederados. Mais que uma atitude
discriminatória, trata-se de uma reparação histórica: na época
dos primeiros imigrantes, os cemitérios católicos brasileiros se
recusavam a enterrar os protestantes americanos mortos.
“Não se sabe o que pesou mais: se o fato de serem
protestantes ou de serem da maçonaria, mas o cemitério começou
no local onde foi fundada a primeira igreja batista do Brasil,
que está na terceira construção devido ao solo ruim”, conta
Nancy Padoveze (o sobrenome é herdado do marido italiano).
Dança durante a edição da festa em 2009. (Foto: Divulgação)
Nascido na Georgia, o coronel Norris chegou a ser
senador pelo Texas antes que os exércitos do industrializado
norte dos EUA devastassem econômica e militarmente os estados
confederados do sul latifundiário, na guerra entre 1861 e 1865.
Veio para o Brasil, segundo a fraternidade, graças ao contato
que tinha com a maçonaria (da qual o imperador Dom Pedro II
fazia parte) e do interesse brasileiro nas técnicas agrícolas
sulistas, principalmente o cultivo do algodão.
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Os americanos então trouxeram o algodão e o arado.Os italianos vieram e desenvolveram o arado. Em seguida, chegaram os alemães e montaram as fábricas de tecido. E assim Americana se tornou esse grande pólo têxtil."
“O que nossos antepassados contavam é que a região de Santa
Bárbara, principalmente, tem um clima e uma terra muito
parecidos com o sul dos Estados Unidos. Este foi o motivo para
escolher essa região. Os americanos então trouxeram o algodão e
o arado.Os italianos vieram e desenvolveram o arado. Em seguida,
chegaram os alemães e montaram as fábricas de tecido. E assim
Americana se tornou esse grande pólo têxtil”, afirma a tetraneta
do pioneiro.
Além das técnicas então desenvolvidas de
agricultura, os descendentes dos confederados orgulham-se do
sistema americano de educação - considerado modelo pelo governo
brasileiro - que deu origem a escolas americanas até hoje em
atividade no país, como a Universidade Metodista de Piracicaba
(Unimep), o Mackenzie, na capital, e o Benedict, no Rio, entre
outras. Isso sem falar nos descendentes renomados, como a
cantora Rita Lee e a ministra do Supremo Ellen Gracie Northfleet.
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É interessante ver como nos Estados Unidos o sul ficou associado com as forças do atraso, enquanto que no Brasil [os sulistas] foram associados ao progresso. "
Boa parte desta história está exposta no Museu da Imigração, em
Santa Bárbara d’Oeste, que tem no acervo desde documentos
históricos até as primeiras máquinas para o arado trazidas pelos
americanos e utensílios domésticos considerados modernos para os
padrões do império brasileiro, como moedores de café.
“É interessante ver como nos Estados Unidos o sul
ficou associado com as forças do atraso, enquanto que no Brasil
[os sulistas] foram associados ao progresso”, diz o antropólogo
John Dawsey. Segundo ele, americanos que vão à festa paulista se
assustam ao ver a bandeira dixie confederada - nos EUA ainda
associada a escravidão e racismo.
Para dona Nancy, responsável pelas apresentações
artísticas da Festa Confederada, graças à integração cultural, o
evento acabou ganhando sabores brasileiros. “A gente tenta fazer
o típico, mas o típico, típico americano mesmo é complicado.
Então a gente abrasileirou um pouco algumas coisas para agradar
o público. Temos churrasco, hambúrguer, cachorro quente, frango
frito. Mas o sabor é bem brasileiro”, diz, rindo.
Garotas vestidas 'à Scarlett O'Hara posam na festa de 2009. (Foto: Divulgação)
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