Pode uma escritora negra falar sem que o mediador tente roubar a cena?

Ilustração Joana Brasileiro

Começou com uma frase de efeito: “a carne mais barata do mercado é a carne negra”, seguramente porque a expositora da noite era negra. Ali mesmo ele deu com os burros n’água, impactou negativamente a galera. O bordão seria repetido por mais quatro ou cinco vezes ao longo de cansativo, desnecessário e, sobretudo, inadequada exposição.

O mediador não identificado era só mais um homem branco, totalmente perdido (para ser gentil) diante do esplendor de uma mulher negra, reverenciada por todos.

A suposta mediação foi assaz deselegante. Uma verborragia de dados e citações estatísticas, provavelmente confrontadas pela primeira vez, na pesquisa que alimentou a tentativa vã de antecipar-se a Ana Maria. Deu com os burros n’água pela segunda vez.

Ana Maria gingou, logo no início. Agradeceu a generosidade de seu interlocutor (fina ironia) e leu um trecho da apresentação de Um defeito de cor, no qual, grosso modo, está dito que um mineiro é aquilo que parece não ser. Ou seja, o rapaz veio com o milho e ela já estava com o fubá pronto. A escritora disse o que quis, o que havia planejado, e não foi nada do que fora discursado pelo mediador, achando que se adiantava à convidada.

E o que me dá certeza de saber o que ia na cabeça dele quando tentou, com aquele amontoado de frases, engambelar o mais ingênuo dos bobos? Letramento racial, baby. Depois de décadas enfrentando as armadilhas do racismo, a gente aprende como ele opera e também a branquitude, que nos dá rasteiras com sorrisos fraternos e gentilezas.

Mas, Ana Maria Gonçalves baixou o Gunga, chamou o moço no pé do berimbau e deu a letra. Ali, mandava ela. Era a estrela da festa e seu ninguém lhe ofuscaria o brilho. É boa angoleira, essa Ana. Sabe entrar saindo e sabe sair entrando.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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